segunda-feira, junho 30, 2008


A idade do céu.

Quando eu explodi a torre de marfim que me cercava, me deparei com um mundo tentando desvendar a possível história que eu conto. Ninguém se importou com o tempo. Eles só esperavam algum sinal vital que mostrasse pistas daquilo tudo que está bem aqui. E usando de um raciocínio ilógico, foram pelo caminho errado.
Quando eu escolhi o silêncio, optei por deixar o coração selvagem adentrar todas as palavras e fazer delas um sopro de vida, qualquer mensagem de esperança levada por aquela ventania que a gente espera que cure. E quando pararam de pensar e começaram a sentir, perceberam que o mundo inteiro era feito daquela tempestade que nos torna mais humanos.
A visão que eu tive foi de uma poesia turbulenta, de cores intensas que não discriminavam espaços e nem lógica alguma.
Eu queria algo simples que não fizesse da gente meras piadas de Deus, que permitisse com que o meu silencio fosse rompido pelas pulsações daqueles corações heróicos que persistem sem ciência alguma, mas repletos de sangue e certezas.
Mas eu não quero poesia e eu nem mesmo desbanquei o mundo todo por ela. Percebo que aqui não existem palavras, mas vida.
E é esta vida, cheia de aflições, que eu conto e que me arrebata daquele mar de imperfeições que nos faz tão iguais.
Eu busco a calma, a cura e aquele vôo tão libertário que permitirá com que, de alguma forma, eu te resgate.
Texto: Nathalia B. Triveloni.
Ilustração: Danilo Kato.

quinta-feira, junho 26, 2008


Intimidade indecente.

Faz assim. A gente monta um dueto de coisas normais que fazem da vida algo menos ordinário. É pra abrir a boca e contar toda a história estranha que faz a nossa intimidade indecente.
Eu começo cantando uma música, você pega o violão pra acompanhar. E você vai errar aquele mesmo acorde. Mas eu dou risada e finjo que nem percebi.
Você também pode pegar o teu giz de cera e riscar todas as nossas paredes. Aí, eu jogo tinta no teu desenho só pra bagunçar tudo. Mera infantilidade.
Enquanto você tenta fazer o carro pegar, eu faço café e inundo a casa inteira com aquele aroma que vc insiste em dizer que não gosta, mas é minha marca registrada.
Você fala alto, eu fecho a cara. Você esquece a chave e eu abro as janelas. Você acorda cedo e eu tento não dormir tarde. Você liga e eu deixo o telefone desligado, por falta de atenção. Você some e eu tento desaparecer. Você escreve e eu só consigo ler em russo. Você fala e eu coloco fones de ouvido. Você briga e eu vou tingir meu cabelo...
As coisas insistiram em desaparecer e, agora sim, tudo está muito estranho. Nada faz barulho. Eu tranquei a porta, mas talvez eu ainda queira ouvir uma voadora quebrando a tranca. E quando você aparecer, eu prometo tentar parar de jogar truco e abrir o meu sorriso. Quem sabe, eu tome consciência que até de xingar os teus ancestrais eu sinto falta.
Texto: Nathalia B. Triveloni.
Ilustração: Carlos Marques, vulgo KK.

segunda-feira, junho 23, 2008



Lado B

“Meu carro que não quer mais andar e esta noite que não quer terminar...”. o Ney Matogrosso não pára de cantar e esta é a única trilha sonora que eu aceito. Contudo, meu carro não anda mesmo, porque eu desaprendi a dirigir e ele morre ou sai cantando pneus. Inconstante esta vida. Hoje, é um daqueles dias em que a gente reza para ser e não ser humano. É duro assumir a nossa condição, mas é esta a verdade. Eu troquei os "Caios". Não quero estudar o “porque” do café alavancar a economia brasileira ou fazer análises absurdas sobre as finanças internacionais. Eu quero tomar café porque eu gosto, porque me faz bem. Caio Prado que me desculpe, mas hoje, ele ficará na gaveta. Das cinzas, do lugar poético da alma ou da aflição da constante falta, eu trago o Caio Fernando Abreu e leio, leio e leio. Poesia, daquela que nos bate na cara ou nos acolhe de uma forma tão profética que ali sim, tudo faz sentido. E lendo meu segundo Caio, eu tento me convencer que tudo isso vai passar, que “continuadamente, continuamos.”. E eu estou ali, como todos os seres humanos do mundo sempre ficam, de uma certa forma só. Mas nossa solidão é opcional, é mascara, é invisibilidade ou qualquer palavra bonita que nos camufle.
Hoje, o mundo lá fora não me interessa e eu me atrasei pra entrevista de emprego porque eu fiquei fazendo poesias e tomei um banho demorado. Eu não me importei com a falta de água no mundo, na minha torneira. Eu fico assim, ocupando minha cabeça com estas bobagens, mas sem análises.
Hoje, eu não sou cientista de nada. Sou uma pessoa que gosta de café e se desmancha em tanto escrever pra ver se o buraco imenso que tem dentro de si é preenchido por algumas coisas. Minhas palavras me libertam ou me revelam.

- Desculpe senhora diretora, mas eu me atrasei porque eu sou uma “poeta”, porque só desta forma eu consigo esboçar qualquer sorriso hoje.

E assim, nos tornamos politicamente incorretos, cheios de manias, de silêncios, de gritos. É direito nosso gritar, direito meu chorar e sentir uma dor imensa. É direito, daqueles que são nossos e que a gente não permite que ninguém tire. Palavras, a música, o café, uma rotina nova, sem análises. Um lado b que a gente deixa transparecer quando deseja ferir pra se proteger da quantidade de carinho que sente. Lado avesso, confuso, nosso esconderijo, nosso coringa, nosso momento heróico, porque nele, somos nós de um jeito que a gente mesmo desconhece...

Texto: Nathalia B. Triveloni

Ilustração: Minha...registrada atrás de uma porta que foi arrombada e ficou com esta cratera imensa, um pouco apartada do mundo... (Fund. Santo André - ABR 2008)

sexta-feira, junho 06, 2008


Amor y papas.
Um dia, uma menina perdida, decidiu se confessar. Como ela não confiava nos padres, foi direto ao vendedor de batatinhas gordurosas da rua....Olhou fixamente para o tiozinho que ajeitava o pacote vendido e começou:

-Eu não sei se quero hoje estas batatas. Na verdade, eu nem sei o que eu deveria fazer neste exato momento. Talvez, o dia tenha sido longo demais e eu tenha acordado tarde. O fato é que eu parei e quem sabe eu leve algumas delas .Desta forma, eu me distraio e tento parar de imaginar o modo como ele espirra, como ele ri, porque some, depois aparece, o jeito como ele bagunça tudo e coloca tudo no lugar de uma forma linda, confusa e que me irrita. Eu queria ter a chance de saber a quantidade de catchup que ele coloca nestas benditas batatas ou se ele abomina todas elas. Eu realmente me importo com o catchup que ele colocaria ali...Ou o jeito que talvez ele fosse se despedir, ou dizer oi. Eu me importo com a forma que eu nunca o parei na frente deste carrinho de batatas e como eu talvez nunca vá saber se catchup com elas ele gostaria...Mas, são só batatas, imaginações, espirros que não fazem barulho, a forma que não existe porque tudo ainda é vago... O senhor vê um pacote pra mim, por favor.

E o vendedor das batatinhas ficou escutando, mas não de uma forma surpresa, ouviu como se fosse parte do cenário, o lugar perfeito onde as batatinhas com catchup seriam desmistificadas...

- Quanto eu devo pro senhor?

E o homem das batatinhas que já havia sentido a sensação daquele vazio algumas vezes na vida, sorriu e disse:

- A menina só deve voltar aqui e me contar se o cara gosta ou não das batatinhas com catchup...

E ela sorriu e foi embora, comendo suas batatas e esperando o Elvis cantar qualquer canção...
Texto: Nathalia B. Triveloni
Ilustração: Carlos Marques, vulgo KK.