terça-feira, setembro 09, 2008



In the sky...

Depois daquele dia tão “dia normal”, ela decidiu sentar e só ouvir o silêncio. Tem vezes que este é o único barulho que nos aconchega. Contudo, a casa era grande demais para suportar tanto vazio. No instante em que abriu os olhos, se deparou com o disco na vitrola e decidiu contar suas rotações e, pelo magnetismo que aquele resgate dava a ela, apertou o play:

“Lucy in the sky with diamonds”

Ali, ela se transformava na garotinha de joelho ralado e cabelos claros que pegava os discos escondidos do pai, colocava e ficava passando lentamente o dedo na superfície para fazer seu próprio som. Enquanto isso, assobiava Beatles e as curvas da estrada de Santos de uma forma tão nova que nada seria como antes.
Ficou concentrada na menina que sempre esteve ali e que a fazia errar constantemente, mas acertava a cada vez que decidia sentir e parar de pensar. Lembrou-se que, agora, podiam ser dela guitarras, microfones, acordes estridentes ou o dedilhar mais calmo Quando a gente cresce, um monte de instrumentos são jogados para que possamos escrever uma música, diversas vezes torta, mas que sempre será nossa. Voltou-se para o toca-discos e decidiu que a sua canção sairia sinuosa, mas que, muito antes de todos aqueles sons que produziria, sentiria o cheiro do papelão envelhecido da capa, as unhas devagar no vinil e o tempo da música de acordo com os seus dedos.
Começou a tocar cada estrofe daquela sentindo tudo o que poderia ter sido e foi, deixando para trás apenas o que de nada resultou melodias fortes o suficiente para suportarem o compasso daquele tempo.
Agora, voltou para o seu lugar, para os seus discos, sem abandonar nada que amplificasse sua voz e fazia de tudo o que sentia, poesia ou desabafo, sobre letras banais.
A garotinha assobiava e sorria para a mulher que reaprendeu a sentir o que era capaz tocar.


Texto:
Nathalia B. Triveloni
Ilustração: Lucas Alcântara