domingo, janeiro 28, 2007




Eu – Nós

Não nos transformamos em outras, somos muitas. Daquelas que se rebelam diante das injustiças, que não se calam perante a marcha fúnebre e sagaz da opressão.
Destas que superam limites, que provam a igualdade, que não têm medo das adversidades impostas pela sociedade patriarcal.
Aquelas que se manifestam por uma outra vida. Mulheres que compõem a história, que escrevem o mundo, que pintam a realidade com as cores mais reais da pele do empirismo individual.
Somos Fridas, somos Olgas, somos Pagus, somos as palavras de Simone.
Somos homens, somos mulheres, somos iguais: somos a antropofagia latente da Tarsila!
Somos o equilíbrio das linhas desequilibradas da Florbela.
Nascemos da Canção do Chico, não somos presas ao amor.
Somos o próprio amor, sangrando, pungente, libertário!
Somos aquelas que se desmancham em intensidade, porém, somos fortes!
Fortes para enfrentarmos a fogueira purificadora, fortes para gerarmos um ser.
Fortes para sermos soldados, para pagarmos pela nossa sinceridade e levantar a bandeira dos nossos ideais...Fortes para renunciarmos àquilo que nos sufoca, que nos reprime, que não faz parte de nós.
Igualmente fortes!
Somos o perigo que antecede a conquista, somos as que foram subjugadas!
Somos ELAS, somos o mosaico da inteligência, da coragem, do sentimento...
Somos nós!

Texto: Nathalia B. Triveloni. Publicado em 01/2006, na Revista Caros Amigos.
Ilustração: Ana Paula Caldas.

domingo, janeiro 21, 2007




As Engrenagens

Este não é o primeiro nem o último discurso : É o grito daqueles que, nas engrenagens, perderam sua essência

As mãos que produzem o mundo são as mesmas que se estendem para mendigar sobrevivência.

As engrenagens, com seu movimento vital, fazem emergir um labirinto de rostos iguais.

Por dentre os corações cansados,os fios que impulsionam cada batida são formados de dor.

Nas palmas das mãos,uma vida inteira cabe.Em uma lágrima,o grito sufocado se transforma.

Cada passo é milimetricamente projetado: Estamos diante de máquinas humanas !

O sangue que caminha pelas veias que se rompem é jorrado na forma de suor.

A respiração que se ouve é proveniente das chaminés que anunciam os espíritos consumidos.

Haverá um dia em que uma luz surgirá e dissipará os fios que arquitetam o aparato repressivo.

Quando isso acontecer,as engrenagens voltarão a ser órgãos que compõe a anatomia humana.

O grito que brotará, transformará o canto dos malditos na canção da liberdade.

Texto: Natahlia B. Triveloni
Ilustração: Ricardo Aníbal.

terça-feira, janeiro 16, 2007



A Reza do sertão

Na terra onde dizem que Deus esqueceu de ouvir, desde que se encontra na barriga da mãe se aprende a rezar.
É reza por vida ou por um sopro dela,
É reza para que o menino vingue, reza para que ele tenha forças pra chorar.
É reza pro leite não secar no peito murcho, desnutrido.
É reza para aquele guri ter uma gota de qualquer líquido santo que o consiga alimentar.
Rezam para não cruzarem com a morte no sono da madrugada.
Rezam pro sol dar descanso.
Rezam para o céu chorar: Chover.
Rezam para conseguirem a carcaça do bicho que sucumbiu à seca.
Rezam para o cacto encher os buchos contentes com qualquer coisa que desça a seco.
Rezam para conseguirem um canto naquele pau-de-arara.
Rezam pra cidade grande chegar logo.
Rezam por uma vida melhor.
Rezam pro emprego nascer.
Rezam por qualquer casa, qualquer barraco que os proteja da tão querida chuva.
Rezam para que um dia os reconheçam.
Pararam de rezar, pois, o susto de ser barrado onde suas mãos construíram abalou a fé.
Atenção!
A terra batida do sertão deu lugar ao concreto frio da cidade.
Tudo continua igual, a “sustança” não lhes valeu a identidade.
É tempo de rezar para ver se algum sinal do Céu desce.

Texto:
Nathalia Triveloni.
Ilustração: Lucas Manoel (Lucas Pinduca).

quinta-feira, janeiro 11, 2007




Mundo meu

O Universo é constituído das mais belas linhas retas, porém, não infinitas no seu tear. Nela, meu mundo se faz das mais puras criaturas, dos mais deleitosos gostos e prazeres. Amargo alguns pedaços desta geometria que nem sempre é grata e torna-se tortuosa. Tudo cabe neste mundo, há espaço para qualquer coisa que se petrifique e se torne eterna, Meu mundo se desfaz, mas eu não apago nada, por mim, eu colecionaria cada pó que emana desta terra, cada gota que molha e borra todas as formas que deveriam ser perfeitas, mas, se fossem assim, não teriam graça.
O mundo gira neste círculo que não foi feito por compasso, mas por um lápis que o próprio mundo julga desprezível... ele é valioso, ele esculpe, ele cria, ele dá vida àquilo que não sabe o que é existir. É a música em cada nota desenhada, são os contos escritos da forma doce, é o drama, sem lágrimas ou pedras rolando... o mundo é geométrico, é misterioso, é confuso, mas pertence a cada milímetro que o meu grafite desenha. O mundo é meu, crio e desfaço, mas desenho, desenho com fé. No lugar da chuva eu faço o sol, onde o solo é seco, planto uma árvore de traços incisivos e frutíferos. O mundo é meu, é fruto da minha visão, do sentimento que imprimo em cada reta, em cada rabisco descompromissado e livre. O mundo é meu, mas as formas não são minhas, mesmo assim, posso inspirar e ser inspirada pelas formas deste mundo que é meu, mas que muitas vezes se desmancha em minhas mãos. Mas, o lápis é mágico e a esperança ainda faz nascer da escuridão um desenho único, que faz meu mundo renascer a cada cor que lanço nele... ele pode não ser permanente, mas suas marcas sempre serão eternas...

Texto: Nathalia Triveloni.
Ilustração: Manassés.