segunda-feira, junho 23, 2008



Lado B

“Meu carro que não quer mais andar e esta noite que não quer terminar...”. o Ney Matogrosso não pára de cantar e esta é a única trilha sonora que eu aceito. Contudo, meu carro não anda mesmo, porque eu desaprendi a dirigir e ele morre ou sai cantando pneus. Inconstante esta vida. Hoje, é um daqueles dias em que a gente reza para ser e não ser humano. É duro assumir a nossa condição, mas é esta a verdade. Eu troquei os "Caios". Não quero estudar o “porque” do café alavancar a economia brasileira ou fazer análises absurdas sobre as finanças internacionais. Eu quero tomar café porque eu gosto, porque me faz bem. Caio Prado que me desculpe, mas hoje, ele ficará na gaveta. Das cinzas, do lugar poético da alma ou da aflição da constante falta, eu trago o Caio Fernando Abreu e leio, leio e leio. Poesia, daquela que nos bate na cara ou nos acolhe de uma forma tão profética que ali sim, tudo faz sentido. E lendo meu segundo Caio, eu tento me convencer que tudo isso vai passar, que “continuadamente, continuamos.”. E eu estou ali, como todos os seres humanos do mundo sempre ficam, de uma certa forma só. Mas nossa solidão é opcional, é mascara, é invisibilidade ou qualquer palavra bonita que nos camufle.
Hoje, o mundo lá fora não me interessa e eu me atrasei pra entrevista de emprego porque eu fiquei fazendo poesias e tomei um banho demorado. Eu não me importei com a falta de água no mundo, na minha torneira. Eu fico assim, ocupando minha cabeça com estas bobagens, mas sem análises.
Hoje, eu não sou cientista de nada. Sou uma pessoa que gosta de café e se desmancha em tanto escrever pra ver se o buraco imenso que tem dentro de si é preenchido por algumas coisas. Minhas palavras me libertam ou me revelam.

- Desculpe senhora diretora, mas eu me atrasei porque eu sou uma “poeta”, porque só desta forma eu consigo esboçar qualquer sorriso hoje.

E assim, nos tornamos politicamente incorretos, cheios de manias, de silêncios, de gritos. É direito nosso gritar, direito meu chorar e sentir uma dor imensa. É direito, daqueles que são nossos e que a gente não permite que ninguém tire. Palavras, a música, o café, uma rotina nova, sem análises. Um lado b que a gente deixa transparecer quando deseja ferir pra se proteger da quantidade de carinho que sente. Lado avesso, confuso, nosso esconderijo, nosso coringa, nosso momento heróico, porque nele, somos nós de um jeito que a gente mesmo desconhece...

Texto: Nathalia B. Triveloni

Ilustração: Minha...registrada atrás de uma porta que foi arrombada e ficou com esta cratera imensa, um pouco apartada do mundo... (Fund. Santo André - ABR 2008)