Perdidos no espaço.E foi assim, no meio daquela noite escura, ela veio me fazer companhia. Não disse se eu estava certa ou errada, não apagou seu brilho, apenas ficou ali, iluminando tudo o que estava pronto para se tornar vida. As estrelas descansavam, porém, ela permanecia estática, mesmo não conhecendo o universo que penetrava. Foi aí que me enganei. Eu era apenas o reflexo de toda a sua alma, de cada sentimento e partículas de sonhos que havia nela. A lua, algo que um dia foi julgado solitário, se mostrou muito maior do que qualquer sol que habitasse algum lugar.
Era a nossa bossa nova, o nosso espaço... dois astronautas terrestres movidos pela impaciência de uma vida tão bela, mas que, às vezes, fere. Eu nunca tinha reparado como a lua é soberana, como ela pode fazer de uma noite desestrelada um palco para citações, desesperos, amizades e canções. A minha lua é presente, instante indispensável, sinais diversos que não estabelecem nenhum contato vulgar, apenas verdades indiscretas.
Não me arrependo, sou grata. Eu agradeço por cada sopro de vida que nos fortalece e nos dá a chance de encontrar corpos celestes, satélites naturais e um espaço inteiro para descobrirmos que nada é impossível quando estamos dispostos a sair e olhar para o céu.
Uma lua, algumas canções e uma vida inteira para se contemplar cada constelação...
Texto: Nathalia Triveloni
Ilustração: Alexandra Rosso ( Lady Shampoo )
O dia universal da pipa.
Rotina, rotina, rotina... círculo chato, ofuscante, destes que agente chega até a rezar para ver se é quebrado. Contudo, descobrimos que somos ativos e podemos muito bem cortar qualquer material que nos coloque nesta ciranda. Escovar os dentes, olhar pro espelho e ter a certeza de que queremos passar a vida de pijamas e pantufas. Danem-se os semáforos, as etiquetas, cada olhar desdenhoso ou invejoso que para mim seja lançado. O café, trocamos por um belo ovomaltine, as frutas, substituímos por trakinas de morango com sorvete de creme. Hoje, não quero saber se o dólar está acima da Bovespa ou se o risco Brasil diminuiu. Roubo o jornal do Magnata que segura a pasta de couro de jacaré e vou atrás do resto dos materiais. Pois é, neste momento proclamo o dia em que eu vou fazer uma pipa... tem coisa mais gostosa que esta? Esqueci o dinheiro, mas quem se importa? Compro fiados dois churrascos de gato para conseguir minhas estruturas. Meu momento fora-da-lei chega ao ponto de entrar descaradamente em uma vendinha e roubar o saco da farinha. É só juntar com a água do chafariz, que tenho minha cola. Paro ali mesmo, naquela praça, cheia de gente, uma multidão que na verdade se sente só, porém, é unida para desaprender a viver e julgar minha infalível obra de arte voadora. Às tão crianças quanto eu, peço um carretel e a rabiola para colocar minha criatura no céu.
Um barulho absurdo se aproxima, chegaram. Mais uma vez, a ambulância bizarra do hospício aparece pra me levar de volta àqueles dias de tédio e prisão. Contudo, depois que a minha pipa aprendeu a voar, os médicos descobriram que todos os que detestavam pantufas estavam profundamente enfermos.
Texto: Nathalia B. Triveloni.
Ilustração: Victor Oliveira.